28 abril, 2008

24 abril, 2008

Frutífera

As frutas apavoram quem muito de perto conviveu com elas. Conhecendo bem os morangos se sabe os desejos que despertam pelo nariz. Das ameixas, se sabe Insã e Xunim, trazidos pelos morcegos, e das goiabas, o que vive e se move por dentro. As jabuticabas trazem as longas esperas da vida e, as bananas, essas coisas corriqueiras do dia-a-dia que não pedem muita atenção. As maçãs e os figos, dependendo da terra, são miúdos e improváveis, como gosto do que não se pode ter. Os limoeiros são flores e um cheiro. E uma necessidade de espinhos pontiagudos. Amoras são tintas. E ainda me mancham corpo e papel. E por tanta intimidade o temor do gosto de todas elas. O arrebatamento, peixe fisgado de anzol. Um tempo de não saber ser só. Um gosto de infância.

Transporte

Se escrevo em ônibus é porque a palavra está em movimento.

22 abril, 2008

Profissão de fé

E também creio, como creio que foram enviados para salvar o mundo, que os Beatles voltarão.

Em um transatlântico.

17 abril, 2008

Perspectiva

E se o mundo é feito de penas, existe em mim um céu de sanhaço e uma esperança salpicada de alegria e desejo de maracanã.

A vida é beija-flor.

15 abril, 2008

Pela descriminalização do aborto

Estava sentada em um ônibus. Oscilava entre a preguiça cansada de mais um dia e o desconforto da viagem. E ouvia a conversa mais próxima. As partes se colocavam a par de suas desventuras até que veio o desfecho: A minha irmã morreu, atropelada. Estava grávida de gêmeos.

Fumacinha

A poesia vem como névoa, flutuante nuvem.

A acolchoadora de mundos.

Ágrafa

Sou a sem cultura e linguagem e o pouco conhecimento que tenho do mundo não diz do que sinto e que mata e priva de ser um entre o tudo ao redor. E não é possível a entrega ao mundo onde todos são corcundas e em que as pernas dóem por não poder esticá-las.

Outra flor

Presenteada pelo céu e por tudo o que acima dele vive. Uma flor! Dada por mão azul. Uma flor pálida, exaurida, fatigada no ter se cumprido. E viu o amor por uma beleza de forma tão intensa que tudo em resto era tão somente a artificialidade. E é impossível não desejar o silêncio. Mas é bom brincar com as palavras.

Arte não mata fome

E o calor que envolve traz a plenitude por desejar tanto. Pela visão involuntária de controle remoto foi dado o sabor. E o que se via com todos os sentidos era uma espuma lilás em meio à calda de cor do que é cristalino e com a fragrância deliciosa do ignorado.

14 abril, 2008

Declaração de amor

Na verdade é só uma história. E história conta o só o que já foi. O que é, no agora e no ainda, é por conta e risco de quem pensa... Era uma menina confusa e atrapalhada em ser o esperado pela história, e que insistia em não ser o que nasceu para e que ainda não sabia. Era como as outras, e em muito, muito diferente delas. Não aprendeu no cotidiano das coisas, com bonecas e panelinhas. Aprendia em segredo de silêncio diante de espelhinhos gigantes, em que se via inteira e tão pequena e tão dentro, e dos outros, os de bolso, um pouco maiores e que mal comportavam o rosto e parte de seus cabelos. E com as músicas, quer eram as mesmas que todas gostavam, mas não chorava com nenhuma delas e nem de machucado. Chorava muito, mas era mais de raiva, de não saber como fazer as coisas, de não entender, de injustiça e de por ver novela também. Gostava muito de rir e de sentir preguiça, mesmo sabendo que era pecado. E desde o sempre existem meninos e meninas, mas só no depois é que foi inventado o que podiam e o que não podiam fazer. As meninas sempre foram a visão do que sempre dividiu. Achava esmalte feio, mas também achava bonito, principalmente quando ele, já se desfazendo, deixava à mostra a imperfeição e a matéria pura de que gente é feita. E poupava à agonia de ter que tomar decisão de destino para a mulher que se esgueirava com languidez longilínea de gato roendo as unhas. Bonitos eram os cabelos longos e lisos. Mas, para que assim fosse, deixavam o rastro de fedor da submissão só possível em homem que finge ser macaco para divertir platéia. Os cabelos eram o desafio, a constante necessidade de conversão. As roupas sobre a pele como se tivessem sido emprestadas ou dadas, pelo acaso. E, talvez por isso, um gosto tão maleável. E até no mesmo de todas as outras - a mesma saia azul de pregas e a blusa branca-, sabia que o igual de todo mundo não era feito para ela, não tinha as suas medidas. Temia a prisão e o sufocamento do seio, só submetido ao sutiã pelo pudor de uma blusa de uniforme transparente que não o podia ocultar de si mesma. Se sentia diante dos outros como o espantalho com aves sobre os ombros e se habituava, com a descoberta e a necessidade de aprender a manusear absorventes íntimos e o corpo com sua fluidez de gota em busca de mar -, a conter uma mulher e seus desejos. Havia aprendido pelas histórias que deveria se fingir de morta e esperar por beijo que a salvasse. Mas como, se ela queria era ir salvar o mundo também? Com os cacos de seus espelhinhos tecia tapete sobre as distâncias acidentadas que percorria descalça e fazia pontes. Havia um amor, o mesmo e que sempre a faziam ficar ao lado de alguns e a se deixar. E não era amor de figuração, desses que são guardados em álbuns de retratos e em películas, esgarçadas e finas, tão finas que nem se sabe bem se é lembrançae ou esquecimento. Amor de entrega, da compreensão e da aceitação. Amor que é passageiro, com brilho da surpresa de espera dos olhos com encontro de estrela cadente porque, no sempre, é muito para uma vida que é só isso. Era a intensidade marginal da mulher que torna seres reais entre beatas e fêmeas, Ariadnes e Iaiás.

Garrafas ao mar

Areia a exasperava. Tinha ódio de tirar os sapatos encardidos de poeira e uso e pisar chão em nudez. Os menores grãos e ciscos a despertavam, toda pés, se esfregando em si mesma, tentando se livrar do sentir. A dona da casa, entre a agressão e a ofensa: Repara não! Nem tive tempo de varrer a casa hoje... Sabe como é, né? Se desfazia em desculpas, justificando em distração e avoamento a delicadeza de sua pobreza, demais sensível, para qualquer gosto. Areia era o toque do indesejado, o incômodo indistinto entre o ruim e o bom. E em areia pisava para chegar ao mar. E lhe trazia as mensagens ilegíveis e das mais possíveis urgências e ansiosas, não de socorro ou salvação, mas do eco que lhes diga que o sacrifício das ilusões não é vão. Abrindo as garrafas voltava àquele cemitério, o que antecedeu todos os outros, em que ia de visita ao túmulo da tia suicida de uma prima esquisita e que a considerava como igual. Talvez adivinhando o que já sabia de viver e, que mesmo assim, achava tão bom que precisava de um pouco de morte. E abria os papeizinhos que encontrava sobre os túmulos como se seu nome ali estivesse e por ela chamasse. E lia e relia a sentença da repetição. E, por via das dúvidas, repetia. E voltava, e outros papéis abria na esperança de encontrar, gravada em tinta, a absolvição por ter comido maçã. E despojava a pretensão, se aceitava ar, espaço a ser vencido e em que se propagaria. Eco. E bebia das garrafas, grão a grão, todo um oceano.

Pecado

Eu, que falho até em respirar, não me habituo ao erro. Nego o erro e, ao negá-lo, me perco na impossibilidade do acerto. Me fiz nas mentiras, nos furtos e nos mortais pecados infantis. E será mesmo o pecado o primeiro entendimento da vida? Fato é: existo. E não se pode comer o fruto da árvore da vida.

Plantação

Iniciei o outono em janeiro e arei minha cabeça. Colhi os cabelos para que nada houvesse, em maior profusão, do que o pensar, que haveria, por ser semente de plantio, de florescer.

04 abril, 2008

O guarda-chuva


E também ela, certa vez, com um guarda-chuva que quase a levava pelos ares, teve medo de morrer. E que outro querer mais poderia ter no mundo o que vive? Mas queria morrer no meio de sua gente. Medo mesmo não era de morte, era da falta de olhos de agradecer e ter saudade. E por isso estava ali. E sempre existiu no peito, desde o guarda-chuva, o desejo de ser levada e ser, ela própria, o vento. Mas, mesmo assim, voltaria e os protegeria de seu temor. Tinha olhos de agradecer e guardar saudade.

Cores para noites sem lua