30 maio, 2008

Vacina

Quando sofro de apaixonamento tenho febre como em gripes. E tendo decidido definitivamente pelo não me sinto prestes ao sim. Ainda espero que das pessoas venha algo de novo além dos vírus.

20 maio, 2008

Uma cebola e um limão

por Bem

Uma vez, num lugar nem tão longe do que você imagina, tinha um menino bem normal. Ele vivia em uma pequena casa com sua família, irmãos, pai, mãe, cachorros, galinhas, baratas e os colibris. Podia dizer que era mesmo um menino totalmente normal. Tinha uma família normal, um olhar normal, cabelos normais, andar normal, tudo normal. Ou quase. Aquele menino chorava muito. Mas não era chorar de dor ou de manha, como talvez se pudesse pensar. Se perguntasse aos amigos dele, todos iriam dizer que ele era um menino muito forte. Sabia jogar e brincar, como todos eles, e também brigava, como todos eles. Não, não era esse choro. Se não estava jogando futebol com os amigos ou fazendo alguma outra besteira divertida com as outras crianças, o menino olhava. E por olhar o mundo, e só pelo fato de olhar, ele chorava. É que os seus olhos grandes e marrons sempre queriam perguntar algo, mas não sabiam o quê e nem exatamente à quem. Enquanto pequeno, ele e esse seu jeito nem eram tão ruins. Tinha sempre bastante amigos com vontade de brincar, jogar e se distrair. Todos o conheciam e sempre o conheceram assim já haviam se acostumado. Para as crianças, alguns são assim, outros assim, e cada um é o que dá conta de ser. As pessoas grandes é que são mais complicadas. Quando se é maior que os outros – e pensa ser maior que os outros – qualquer jeito de ser que é diferente, que poderia ser perturbador é facilmente classificado e desqualificado, sem tocar em si mesmo. E as pessoas grandes classificam aos que não compreendem: ou são crianças ou loucos. E o menino começou a crescer e também ao seu redor as coisas e as pessoas mudavam. A cada dia havia menos pessoas com tempo para brincar, outros, já haviam se esquecido de como fazer. As pessoas desaprendem facilmente a se distrair e divertir. É preciso treino. E, a cada dia, surgia mais gente, desconhecidos e desacostumados ao jeito que é do outro. E as pessoas estranhavam aquele moço chorando e perguntavam: por que ele está chorando? E o choro, sem causa óbvia, implicava uma questão: porque chorar? E mais uma: porque eu não estou chorando como ele? E é claro, as pessoas começaram a se distanciar. Não queriam se perguntar essas perguntas. O moço não entendia porque as pessoas se afastavam dele. Era o de sempre, olhando como sempre. Não sabendo mais como se ajudar, ele começou a levar sempre uma cebola no bolso. Se alguém estivesse por perto, tirava a cebola do bolso e começava a cortá-la. E as pessoas já não o estranhavam mais já que é normal chorar quando se corta uma cebola. E a pergunta: porque ele está todo dia cortando cebolas? Não era feita. As pessoas estão sempre fazendo algo, mesmo que não faça sentido, estão sempre trabalhando em algo. E por serem muito ocupadas e talvez porque lágrimas de cebola não têm muita importância, não se incomodavam mais com o choro do menino. Talvez alguns poucos se perguntassem: porque ele sempre está cortando cebolas? Mas, também estes são ocupados e cheios de coisas por fazer para que se distraiam em buscar respostas para perguntas sem importância. E assim o menino viveu, de um dia para o outro, de uma semana para a outra, o menino e sua cebola. Anos se foram e, um dia, meio nublado e com só um pouco de sol, ele estava sentado em um parque. E já com a cebola nas mãos começou a se dedicar ao que estava em volta e via, com aqueles olhos tristes, o mundo. A sua postura mudou, um momento de reparo em seu olhar. Sentada em um banco, um pouco distante, mas nem tão longe, havia uma menina que olhava em sua direção. E era uma menina totalmente normal, com um leve sorriso em volta dos olhos. Mas o menino tinha reparado com o seu olhar um limão que havia nas mãos da menina e que ela parecia chupar de vez em quando. Sem poder se segurar, o menino levantou e seguiu na direção da menina que foi ao seu encontro. Tinham no peito uma sensação desconhecida, uma ansiedade leve, a imagem de uma coisa sem nome, do fundo e do além de si mesmos. Sabiam por que um levava uma cebola e a outra chupava um limão. Os dois se encontraram em um caminho, sem saber se era meio de começo ou fim, e deixaram, por alguns instantes, a cebola e o limão e seguraram com firmeza a mão um do outro. E é provavelmente isso o que os dois ainda fazem, segurar as mãos, viver num lugar totalmente normal.

19 maio, 2008

E o que faço nada mais é do que dar respostas para as perguntas que você talvez me fizesse. E hoje é um daqueles dias em que seria muito difícil engolir algo além da própria saliva e, por isso, não tenho tido fome embora tanto coma. E hoje houve o homem. Morto. O vi de relance, voltando da festa de aniversário da amiga com quem briguei, a que havia dado o entendimento do deslumbramento, aquele baile em que os dois se deixariam. A amiga que sempre seria. A que desafiou o enfrentamento do que é só costume e me guiou através dos carros e dos lugares que certamente levariam a outros. Ali estava porque, mesmo no que simplesmente passa, há brilho conforme há luz. E agora, é ela quem surge, com o questionamento que grudou na idéia, bem antes de sua morte: feliz serve é pra quê? E era aquele homem. Morto. E se as vezes penso em lhe telefonar ou escrever é porque aos animais de linguagem só é dado criar no dito.

Outras considerações sobre o cigarro

E as criancinhas, exploradas pela indústria tabagista, são mais um motivo para que eu mesma enrole os meus cigarros.

Big Bang

O alfinete, cansado de carregar essa caixinha de apetrechos de costura às costas, perdeu por fim a cabeça. E é aí que começa essa história de existir.

13 maio, 2008

Contatos imediatos

E escrever é só isso mesmo, esse puxar assunto com o silêncio...

Paraíso

E, se Adão foi feliz, que se dirá de Eva, livre de preocupações com processos depilatórios, sedutórios e acessórios e, o mais importante, sem a fumaça fedida e o humor tão sutil e delicado dos caminhões. E havia ainda o sogro, que era um pai e cirurgião plástico. E não comprou presente de dia das mães pra sogra.

07 maio, 2008

Gol

Na serra, raposa e sol. Uma zaga imperial pergunta: tanta terra pra índio pra quê, se ele come que nem branco e cria gado também? E esperto é quem enxerga que gente é mesmo tudo igual. Só no matar é que se diferem. Quem sabe o valor da vida, respeita a morte e, se mata, olha no olho e come. E na terra do futebol, com seus travestis e suas fraudes, dá dinheiro a violência, que é sempre consentida nos estádios, e, a paixão nacional é tanta que extrapola, vai pras ruas. E quem ganha? O platinado da vez.

Os postais

E sabia, essa saudade vinha de longe... O pai sempre nesse trabalho de viajar. Era esse o homem nômade vindo da África, chegado em Curitiba, de onde trazia pros seus olhos, ficados no aqui, flores com seus relógios, uma ópera de arames, ônibus tocando sanfonas, limpeza e organização, muitas livrarias e um violão. E era a aprendizagem de que a saudade deseja mesmo o em quê ainda não pôs as mãos, dos olhos ou do corpo.... Uma saudade sem contornos do que ainda é desconhecido.

03 maio, 2008

Uma cor para um gato em branco

Era a companhia perfeita para uma tarde de sábado, com cinco ou sessenta anos: gatos e música. O Arnaldo Antunes foi presente, dado por mão querida que compreendeu o significado de um desejar, esse sufocamento de palavras na garganta em busca de ar, essa Felicidade Clandestina que é, não tendo com que escrever, ouvir no silêncio quem diga: compreendo, sei como se sente. E como não ter aos pés de si a presença de tudo o que se foi? Nada, além dos peixes que me nadavam, se esbarrando, se tocando, submersos e levados por esse fluxo silencioso e turbulento, a busca de piracema em plena seca. E, no agora, desejo é encostar em algum conforto e adormecer, sem hora, motivo ou comprimido e seguir viagem, em aconchego de colo, pouco importando o que aconteça no fechar dos olhos. Porque as paisagens já saem pelos ouvidos e, se continua, é vômito na certa. E por isso existe a noite... Porque aqui, no agora, os carros são muitos, as cores são muitas, os cheiros são muitos, o barulho é muito e, inteligente é quem aprende com as galinhas e as codornas o respeito ao silêncio. Não hesitaria em trocar as panelas e quantas garrafas houvessem por aqueles pintinhos e a saudade das corujas e de seus olhos que caçavam. E os gatos. Sem engano, o primeiro foi aquele..., morto no quintal. Ou teria sido o outro, o lembrado em cama de hospital, enquanto esperava a injeção que doía muito e coloria o dever do jardim, trazido em horário de visita... Fazia às pressas o dever, enquanto ouvia a voz da mãe: primeiro a obrigação, depois a devoção. E percebo que o homem é mesmo obrigado à liberdade. Acabar logo e se dedicar ao prazer, ao gostoso guardado pro fim, os detalhes. Ao lado, a gentil enfermeira advertiu: não existe gato verde! E sensata: colore de marrom. Bem sabido, não existem gatos verdes, mas, o que fazer se mesmo em caixas de trinta e seis, ápice de um desejo de posse, não encontraria a cor vista? Verde é o que se aproxima. E qualquer criança saberia, freqüentando reuniões de sem casa, que pobre tem direito a dizer o que pensa, mesmo que tenha que pagar com a voz. E só por isso disse à madrinha, de quem recebeu o filhote de gente, o que sonhava e pedia pra mãe, papai de onde fosse, coelho de que data seja, qualquer estrela que passasse, cadentes como coração, e pras portas que se abriam para as vãs e supérfluas esperanças. E, tanto esperou que cansou. Não teve jeito: foi a última, no definitivo. E como não ter amor? Como não querer bem? Mas a vida é para todos. E disse a ela o que o pai havia feito. Aceitou a dor em dobro porque vivia em dobro. O gato foi colorido de verde. (...)

Seca


a Chuva, cheirando à esperança e calor
a Terra úmida, como língua em lábios.
E a alma inundada pela vontade de germinar.

Escultura

A linguagem precisa ser lapidada porque a poesia não é só dizer.

É a precisão de dizer.

Escriba

Traduzo a dor e a agonia, a angústia e a obsessão.

As vigílias insones necessitam de palavras, o prazer não.

02 maio, 2008

Civilizada

Hoje falei bonito de amor... Falei grego... E, para o que a civilização não basta, existe o beijo.

Enamoramento

Oi, demorei? Um pouco, pelo menos para quem foi privado de sua companhia. Então, vamos descontar o tempo perdido? Quer um cigarro ou divide esse comigo? Prefiro dividir, assim vou descobrir seus segredos. Um cigarro é pouco, tenho muitos. Quais você quer? Os sórdidos. Você já fica logo com o pior né? Quando tinha onze anos, roubei a sineta de avisar o término dos tempos da escola e a escondi na caixa de descarga do banheiro. Alguém achou? Acho que não. Deve ter sido o meu recreio mais demorado. Sentiu medo? Não, amedrontei depois de envelhecer. Mas a espontaneidade salva de ter medo e de saber o porquê do medo. Sou impulsiva, e muito mais antes. Agora já foram inventados os freios e, apesar de introspectiva, sou um redemoinho à procura de um que fazer e com quê entreter os sentidos. Embora introspectivo, sempre fui tranqüilo. Fiquei inquieto e ansioso depois de velho. (Silêncio) Obrigada. Não se agradece esse tipo de coisa. Não, e o que faço? Faça mais! Mas, se agradeço justamente o que é gratuito... (Silêncio) Também me arrisco vez ou outra. (Silêncio) Um cigarro. O meu está acabando (...) É. Eu sempre descubro um lugar precisando de conserto e quero ver logo as coisas se parecendo com alguma coisa ou com ela mesmas. E, no fim, vejo que sempre falta o principal. A fumaça é tão sólida quanto o pensamento e acho que inventei a roda: um macaquinho feliz! E restam 3 cigarros. (Silêncio) Como é isso? Não sei. Mas como é isso aí, poder da mente? Também não sei. Eu vou mexendo nas coisas, provocando, até elas fazerem o que eu to pedindo pra fazerem, normalmente resulta em merda. As mãos guardam bons mistérios. Você não sabe não fazer poesia? Qualquer letra que vem de você me torna cancionada. Suas palavras. (Silêncio) Você tem dinheiro? Só para o cigarro. Dependendo do cigarro, vale muito. Um raro prazer em séries de vinte. Na maioria das vezes, nem para o cigarro. Foi um tanto Monalisa, não acha? Sorriso contido... Foi? Tinha sido. Mas agora é como o pensamento em você, com bastante dentes, todos que tenho. Não está com sono? (...) Todo cativo é como o de Camões? É? Espero que não, deve ser dolorido, uma bola de ferro bem pesada presa aos pés. Você me hipnotizou outra vez e, creia, te respondo com os olhos. Conheço esse brilho de que fala... e penso que são como janelas essas janelas e, por elas, agora que é noite, eu não veria os seus olhos, mas a minha pele é quem me dirá do seu brilho, o brilho que entra pelas minhas janelas e me toca. Com esse brilho que irei adormecer esperando ser por ele de novo atingida. E quem sabe de uma próxima, preparado, eu não seja uma presa tão fácil e me sobrem algumas palavras. E ainda tenho que falar sobre... Realmente. Amanhã. É dia.

Existencialismo

E o que somos a não ser a consciência do que somos?

Sobre o cigarro e sua fumaça

Em sentido ao rio, desaguando em Diogo.

Perguntou àquele que apreciava, no dentro de si, o girar da terra ao seu lado. O que sente quando fuma? Prazer. Em uma palavra, o que sinto é prazer. Mas é um prazer meio doído, não é não? Porque é como se os pensamentos se tornassem visíveis, como a fumaça e as idéias... e aí, no instante de algumas eternidades, nós somos a fumaça... e me lembro de que também eu vou desaparecer... Ele sorri. Ela continua, é uma saudade antecipada...

01 maio, 2008

Desejos

Desejava.

Deseja muitos e ninguém.

Desejava corpo.

Pênis, dedos, língua.

Desejava o arrepio, o desconforto,

A indignidade e a liberdade do prazer.

Desejava mais.

Desejava sempre.

Desejava a impossibilidade.

A suposição: passado e futuro.

Desejava a esperança.

Cores para noites sem lua