26 junho, 2008

Dar de graça o que de graça lhe foi

Era muito religiosa, ela e o marido, um homem de fé. E agora estava ali, em frente ao restaurante freqüentado pelos boêmios, caminhoneiros e cafetões. E, às margens da rodovia, se dava gratuitamente a quem passasse e a quisesse e com eles compartilhava o vírus recebido do marido.

25 junho, 2008

Erudição

Era semi-analfabeta, escrevia o nome com uma letra trêmula e insegura como a própria vida. Mas possuía outras escritas. As músicas que cantava e vinham dar cores mais amenas ao presente nada gentil; as suas mãos, sabedoras de cor da feitura de doces e pães e que, tendo comida ou não, cozinhavam; e os seus silêncios e seus ditos, oportunos como chuva em julho.

As ruas

As ruas seguem paradas e silenciosas. In. Diferentes ao movimento e ao barulho do que é jogado e se joga em suas correntezas.

Samambaia

A planta era observada com um brilho de amor resignado, amor que espera. Não se viam nitidamente os sonhos que a povoaram. Teriam partido todos? Cozinhava bem, prova disso era o angu, que as crianças magras e sujas disputavam com os cães, como irmãos. E na monotonia dos sentimentos e dos acontecidos, observava os brotos e, por alguma secreta razão sabia que era ela que surgiria com as folhas que se anunciavam. Algumas coisas, como o que tinha em seu interior, continuavam crescendo. Sem sentido. E para todos.

10 junho, 2008

Almafoda

Se aconchega.

Ao macio e ao áspero.

Ao céu e ao inferno.

E entre céu e inferno,

entre o que acarinha e o que fere,

um corpo em outro,

a alma em seu fim.

03 junho, 2008

Interação

E, mesmo que reste o medo, ainda há o desejo desse céu de nuvens de tempestade que não encobrem a multidão de estrelas que me povoam. Porque o mar eleva e mostra os limites. A mão alcançaria o sol e poderia mudar a lua de lugar. E queimo as pontas prateadas dos meus dedos.

Liquido

Desejo mais uma vez o seu corpo porque ele é de água e caminho pelo mundo e tenho sede. Vou já e ainda agora em minha companhia buscando o não visto e o não tocado. E você é água. Busco as trilhas que desembocam nos barrancos e nas cachoeiras de você, onde me encosto e me refresco e o sinto escorrendo por meus dedos, em busca de mar, retirando do caminho pedra e pau que das mãos tenham rolado para fabricar represa. Porque seu corpo é feito de água e se vai, leva junto.

Cores para noites sem lua