14 abril, 2008

Declaração de amor

Na verdade é só uma história. E história conta o só o que já foi. O que é, no agora e no ainda, é por conta e risco de quem pensa... Era uma menina confusa e atrapalhada em ser o esperado pela história, e que insistia em não ser o que nasceu para e que ainda não sabia. Era como as outras, e em muito, muito diferente delas. Não aprendeu no cotidiano das coisas, com bonecas e panelinhas. Aprendia em segredo de silêncio diante de espelhinhos gigantes, em que se via inteira e tão pequena e tão dentro, e dos outros, os de bolso, um pouco maiores e que mal comportavam o rosto e parte de seus cabelos. E com as músicas, quer eram as mesmas que todas gostavam, mas não chorava com nenhuma delas e nem de machucado. Chorava muito, mas era mais de raiva, de não saber como fazer as coisas, de não entender, de injustiça e de por ver novela também. Gostava muito de rir e de sentir preguiça, mesmo sabendo que era pecado. E desde o sempre existem meninos e meninas, mas só no depois é que foi inventado o que podiam e o que não podiam fazer. As meninas sempre foram a visão do que sempre dividiu. Achava esmalte feio, mas também achava bonito, principalmente quando ele, já se desfazendo, deixava à mostra a imperfeição e a matéria pura de que gente é feita. E poupava à agonia de ter que tomar decisão de destino para a mulher que se esgueirava com languidez longilínea de gato roendo as unhas. Bonitos eram os cabelos longos e lisos. Mas, para que assim fosse, deixavam o rastro de fedor da submissão só possível em homem que finge ser macaco para divertir platéia. Os cabelos eram o desafio, a constante necessidade de conversão. As roupas sobre a pele como se tivessem sido emprestadas ou dadas, pelo acaso. E, talvez por isso, um gosto tão maleável. E até no mesmo de todas as outras - a mesma saia azul de pregas e a blusa branca-, sabia que o igual de todo mundo não era feito para ela, não tinha as suas medidas. Temia a prisão e o sufocamento do seio, só submetido ao sutiã pelo pudor de uma blusa de uniforme transparente que não o podia ocultar de si mesma. Se sentia diante dos outros como o espantalho com aves sobre os ombros e se habituava, com a descoberta e a necessidade de aprender a manusear absorventes íntimos e o corpo com sua fluidez de gota em busca de mar -, a conter uma mulher e seus desejos. Havia aprendido pelas histórias que deveria se fingir de morta e esperar por beijo que a salvasse. Mas como, se ela queria era ir salvar o mundo também? Com os cacos de seus espelhinhos tecia tapete sobre as distâncias acidentadas que percorria descalça e fazia pontes. Havia um amor, o mesmo e que sempre a faziam ficar ao lado de alguns e a se deixar. E não era amor de figuração, desses que são guardados em álbuns de retratos e em películas, esgarçadas e finas, tão finas que nem se sabe bem se é lembrançae ou esquecimento. Amor de entrega, da compreensão e da aceitação. Amor que é passageiro, com brilho da surpresa de espera dos olhos com encontro de estrela cadente porque, no sempre, é muito para uma vida que é só isso. Era a intensidade marginal da mulher que torna seres reais entre beatas e fêmeas, Ariadnes e Iaiás.

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