20 maio, 2008

Uma cebola e um limão

por Bem

Uma vez, num lugar nem tão longe do que você imagina, tinha um menino bem normal. Ele vivia em uma pequena casa com sua família, irmãos, pai, mãe, cachorros, galinhas, baratas e os colibris. Podia dizer que era mesmo um menino totalmente normal. Tinha uma família normal, um olhar normal, cabelos normais, andar normal, tudo normal. Ou quase. Aquele menino chorava muito. Mas não era chorar de dor ou de manha, como talvez se pudesse pensar. Se perguntasse aos amigos dele, todos iriam dizer que ele era um menino muito forte. Sabia jogar e brincar, como todos eles, e também brigava, como todos eles. Não, não era esse choro. Se não estava jogando futebol com os amigos ou fazendo alguma outra besteira divertida com as outras crianças, o menino olhava. E por olhar o mundo, e só pelo fato de olhar, ele chorava. É que os seus olhos grandes e marrons sempre queriam perguntar algo, mas não sabiam o quê e nem exatamente à quem. Enquanto pequeno, ele e esse seu jeito nem eram tão ruins. Tinha sempre bastante amigos com vontade de brincar, jogar e se distrair. Todos o conheciam e sempre o conheceram assim já haviam se acostumado. Para as crianças, alguns são assim, outros assim, e cada um é o que dá conta de ser. As pessoas grandes é que são mais complicadas. Quando se é maior que os outros – e pensa ser maior que os outros – qualquer jeito de ser que é diferente, que poderia ser perturbador é facilmente classificado e desqualificado, sem tocar em si mesmo. E as pessoas grandes classificam aos que não compreendem: ou são crianças ou loucos. E o menino começou a crescer e também ao seu redor as coisas e as pessoas mudavam. A cada dia havia menos pessoas com tempo para brincar, outros, já haviam se esquecido de como fazer. As pessoas desaprendem facilmente a se distrair e divertir. É preciso treino. E, a cada dia, surgia mais gente, desconhecidos e desacostumados ao jeito que é do outro. E as pessoas estranhavam aquele moço chorando e perguntavam: por que ele está chorando? E o choro, sem causa óbvia, implicava uma questão: porque chorar? E mais uma: porque eu não estou chorando como ele? E é claro, as pessoas começaram a se distanciar. Não queriam se perguntar essas perguntas. O moço não entendia porque as pessoas se afastavam dele. Era o de sempre, olhando como sempre. Não sabendo mais como se ajudar, ele começou a levar sempre uma cebola no bolso. Se alguém estivesse por perto, tirava a cebola do bolso e começava a cortá-la. E as pessoas já não o estranhavam mais já que é normal chorar quando se corta uma cebola. E a pergunta: porque ele está todo dia cortando cebolas? Não era feita. As pessoas estão sempre fazendo algo, mesmo que não faça sentido, estão sempre trabalhando em algo. E por serem muito ocupadas e talvez porque lágrimas de cebola não têm muita importância, não se incomodavam mais com o choro do menino. Talvez alguns poucos se perguntassem: porque ele sempre está cortando cebolas? Mas, também estes são ocupados e cheios de coisas por fazer para que se distraiam em buscar respostas para perguntas sem importância. E assim o menino viveu, de um dia para o outro, de uma semana para a outra, o menino e sua cebola. Anos se foram e, um dia, meio nublado e com só um pouco de sol, ele estava sentado em um parque. E já com a cebola nas mãos começou a se dedicar ao que estava em volta e via, com aqueles olhos tristes, o mundo. A sua postura mudou, um momento de reparo em seu olhar. Sentada em um banco, um pouco distante, mas nem tão longe, havia uma menina que olhava em sua direção. E era uma menina totalmente normal, com um leve sorriso em volta dos olhos. Mas o menino tinha reparado com o seu olhar um limão que havia nas mãos da menina e que ela parecia chupar de vez em quando. Sem poder se segurar, o menino levantou e seguiu na direção da menina que foi ao seu encontro. Tinham no peito uma sensação desconhecida, uma ansiedade leve, a imagem de uma coisa sem nome, do fundo e do além de si mesmos. Sabiam por que um levava uma cebola e a outra chupava um limão. Os dois se encontraram em um caminho, sem saber se era meio de começo ou fim, e deixaram, por alguns instantes, a cebola e o limão e seguraram com firmeza a mão um do outro. E é provavelmente isso o que os dois ainda fazem, segurar as mãos, viver num lugar totalmente normal.

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