29 julho, 2009

Álbuns

O que seria da alma do mundo não fossem os colecionadores? Esses que se fizeram imagem e semelhança de um deus que aspira o sopro de tudo...

28 julho, 2009

Um amor equivocado

Mesmo não sendo obcecada pelos instantes de vida dele, os queria em si, era importante que houvesse proximidade. Já não era o homem que havia desejado, por puro capricho, o que estendia à letra e aos bordados, ao bagunçar das coisas. Quando o amou, ele amava outro homem, aquele que haveria de se perder, narrar e morrer; e partilharam amor pelo que perece. Ao depois, ele amava outra, também já amada por outro amado seu; e dividiram amor por mãos e tesouras. O quis enquanto fugia, por ser ele também o que queria viver, tanto quanto amar. E há entre esses, os que veem beleza em ares mexicanos, mesmo quando intoxicados pelo bacon resfriado dos fast-foods, a cumplicidade do olhar, como o da moça de grossas tranças escuras, floridas, coloridas flores. E no agora amava outro, o dono do corpo que sentiu enquanto o amava pela primeira vez (...)

24 julho, 2009

O caminho era a estrada perfeita para olhos e pés. E a pele. Seguia só, como todos os outros e lhes fazia companhia, apontando o brilho das insignificâncias. Tanto fazia quando e onde chegariam, seguiam. Iam e, em determinado ponto, virou as costas, de reverso chegaria onde foram mandados e não por protesto ou tédio de, a todo dia, ser animal e ainda assim ser de novo homem buscando linguagem. E não, não por ser levada mais uma vez à dúvida. E as maravilhas do mercado, e o livre, e o arbítrio? Ia de costas porque naquele ponto ficaram os olhos, buscando o que lhes escapou, o lugar em que haviam se separado dos seus sonhos.

23 julho, 2009

Se alimentava das palavras. As larvas morosas como tempo diante da invenção dos relógios, os aparelhos necessários à demarcação do que pele e retinas não poderiam reter. Por quanto tempo? Já cansava o gosto, não o suficiente para buscar outros, mas para que comesse menos. Dos pequenos cocos elas partiam, afoitas, gordas, lentas, famintas, farejando transformação. Algumas ficaram nela, as que deixou partir e se perder, esperando que voltassem. Borboletas, já todas elas. Pequenices agitadas e aladas que a todos sugam, aos animais e às plantas, homens e flores. A espera tinha certeza de encontro, de quem sabe não morrer de fome por ter alimento suficiente. Sempre vinham.

O desejo cria mãos cheias de beijos com que apalpo seu corpo.

21 julho, 2009

Aconteceu. Era. Começou não querendo ser, como a constante preguiça convivendo com o movimento ininterrupto das extremidades e que resultava nos orifícios sobre as superfícies em que repousava sua imobilidade. Havia um cobertor amarelo, ideal para submarinos. O que já foi vinho, com as pequenas rosas brancas, antibióticos que se revestiam de fidalguia em seu pousar. E agora era verde, como o gato. Os animais são elegantes quando matam e quando respiram. Se comendo. O que deveria ser um rosto tinha a beleza do real quase inventado, semelhante ao homem quando havia sido elfo, o falo, como todo dizer, peninsular, em que tudo que sobra completava em si. O que separa um dia do outro? O sono? O sonho? A vigília? Por existir pertencia ao contrário, ao outro hemisfério, onde sonho era a vigília, verbo conjugado no presente, passado e futuro.

20 julho, 2009

O Criador


para  Almodóvar

O dia começou a ser santo pouco tempo antes de nascer. Estava particularmente bonita hoje. Os defeitos, das grandes orelhas às inexistentes unhas, se converteram em discretas belezas. As cores e a dignidade com que as ostentava faziam com que fosse um pensamento do Criador. E por isso lhe havia feito um altar e ali rezava, diante da foto em que a língua entregue se submetia à tesoura. Diante dele se ajoelhava, depositava flores de crepom, fitas do Senhor do Bonfim e de Aparecida, velas, incensos e as preces, sugestões para roteiros.

04 julho, 2009

Luís Alberto

Eram como ele os homens que foram amados. A suavidade da voz revestia os olhos e o que por eles entrasse. Um quadro fixado ao teto e os corredores longos, cinzas, guardando jardins, pedindo por poesia. Em mendicância foi buscado e as palavras escritas naquele papel mostraram o quanto havia se afastado do humano. Linguagem de humanos? E qual não teria sido por eles inventada? A que usavam para declarar suas paixões e suas mortes? Que pena, é o que diriam. E sim, eram penas, penas, que a mulher de língua enrolada e muda transformou em plumas, em aves, sobrevoando água em busca de alimento. E no mergulho, submerso, o canto. Não, não era humano o peixe que voava em sua direção e dizia com seus olhos úmidos que de tudo bastam alguns instantes. E no seguinte estava ali, aquela janela em forma de poema por onde começaram a vislumbrar o espaço. Veio dele o entendimento da nocividade do feminino e de suas pontas, o ângulo a mais que seria buscado pelo masculino à caminho da circunferência.

03 julho, 2009

Emprego

Estava ali. Feia como sempre. E daquela vez foi assim. Era o dia dos tambores, os que despertaram a autonomia dos corpos, partículas inquietas e ritmadas gritando por silêncio. Não poderia precisar sobre a perturbação alheia, a moça loura tanto poderia ser louca como oportunista. Como todos. A outra dançava em frente á TV e, como a velha Jovina, que tecia e tecia, cumprimentava o apresentador e surgiam nas mãos linha e agulha.

Às vezes reaparecia em outros, esses. Voltava abanando o rabo e sem nenhum pudor pela alegria em se submeter. Aceitava todo amor que fosse dado por qualquer um que se aproximasse, mesmo os que doíam. Gotas em pára-brisas, grossas e esparsas, ou finas e constantes. Suaves e brutas, se fazendo e desfazendo umas nas outras. Nessa época sempre chove. Acordava pelo nariz e seguia o cheiro da pele da terra secando ao sol caçando formigas com os pássaros, se alimentando também da destruição que continuaria a acontecer depois que estivessem refeitos.

Cores para noites sem lua