02 maio, 2009

Viu a fala do homem com nome de bairro. E suas palavras eram de grande sabedoria. Mas porque teve um tio que gostava de contar histórias viu que a fala do homem dizia verdades para contar mentiras. Dizia dos problemas que causam a paralisia que nos acomete diante da chance de vingança contra todas as misérias de estar vivo. E Daniela ia aos rituais em que imaginava o que era estar entre os leões e não ter certeza de a quem pertencia o poder de governar e com os outros, assistindo o prestes a ser o não ser no dilacerado no outro. E pensa: e se fosse eu? Porque tinha entendimento do preço das coisas e embora não aceitasse gorjetas, aceitava as mãos e, junto com as mãos, o vazio que carregavam. Porque o preço das coisas é o preço das pessoas e a maioria dos objetos que a cercavam eram das lojas de 1,99. E as jóias. Garimpos nas séries de milhares e dizia a eles: prefiro ladrões à hipócritas. Os que dizem: sim, fui a regra, os que mostram a cara e te tomam o que precisam com a sua verdade. Não como a mulher na padaria que roubou o seu devaneio de que os de boa vontade têm paz nesta terra. A bolsinha verde claro, com o gato amarelo e um novelo e um coração rosa. O novelo bordado com o gato e o coração no fecho. Achava que não havia identidade. A decepção parece com cárie, dói menos no começo. Os objetos tão perfeitinhos se quebram e a gente que se vire pra limpar os cacos. Feitos para não durar. Conhecia seu povo porque sabia de si. Era da gente mesmo essa resignação desconfiada diante da miséria do outro em ser feliz com a miséria nossa. Porque a nós não falta nada, mas ao homem da fala e ao homem que rouba escondido falta o caráter, a essência do que é o homem, essa beleza que inventou o amor, o verbo e o próprio homem. Ah não, não podia ver ninguém chorar, a Daniela. Será que teriam tempo para chorar? No começo dá enjôo mesmo, mas você acaba por se acostumar e a equilibrar em cima disso, acredite, tem uma coisa chamada gravidade e que leva à queda. Atrapalha mas ajuda. Ainda existe a lua.

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Cores para noites sem lua