05 junho, 2009

E vendo as imperfeições em minha boca, as ausências, vejo que grande responsabilidade é para o homem manter os próprios dentes. Porque tudo começou de um sonho e o sonhado foi tão forte de lindo e de descoberta que me fez sonhar com o sonho. E de minha mãe e de minha avó ouvi que sonhar com dente é morte de parente. E todas elas haviam partilhado da sensação. Todas elas traziam, nos secretos de si, os vestígios comuns a todos os que seguiram vozes, como Lázaro, cedendo ao chamado que interrompa o espetáculo de apreciar o perecível de se ter sido. As amígdalas continuavam inflamando com freqüência. O antes, a pequena dor. Comia, voluntaria e voraz e mente, as romãs. E muito tempo é um instante desapercebido no decorrer das coisas e, mais um, e mesmo tendo ficado, se vai. E tudo o que existe é porque foi pousado o olhar, esse leviano que se interessa por chão e pelos fabricantes de florestas. O chão que se solta de si mesmo e se reorganiza e se reagrupa com as novas geografias dadas por mapas de caleidoscópios e que segue em tudo o que se move até que pouse, em definitivo. E foi assim que o vi. No tumulto de um mundo que não respeita os solitários. O reconheci pelos olhos que havia lhe dado, os de enxergar essências ocultas em nomes equivocados. Talvez pudesse usar o nome de um deus adequadamente. Um deus que feito na abundancia se fortalece nas carências. Poucos amores se fazem de alegrias, mas todos conhecem a tristeza. A constatação inevitável de que todo homem é um e que, embora suscetível aos vírus e às idéias que percorrem todos os corpos, não se une aos outros e deles só restarão as marcas que deixadas do impossível contato, reconhecidas pelos que lêem o decorrer do mundo nas chuvas e suas luas. Porque no começo, deus era mulher e criava em silêncio. Dispensado o autoritarismo das palavras, tecia, com os fios do invisível, a luz que seria. E não foi do ventre da terra ou da água, ou do húmus de suas mucosas, que se valeu para fazer o que não poderia ser imagem e semelhança de nada além do próprio do sonho por que não existiria o homem antes do seu sonhar. E de si mesma, o fez, alimentado-o com insaciedades, madrugadas e o desejo do por vir. O homem que virá com seus dentes ainda por arrancar. E nada há alem da água que mina, abundante rio do qual sou margem e afluentes, que se salga no suor laborioso do nada. E nas profundezas dos mares do Deus Ela o homem, que será mulher, é feito. Memória do primeiro aglomerado de células. Porque de toda falta nasce uma vontade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Cores para noites sem lua