13 junho, 2009

Elpídia e a caixa

A maior implicância era dizer que foi achada no lixo. E de tanto ouvir, acreditou. Com mágoa, dessas que viram orgulho. De uma caixa de papelão. Caixa do mesmo sabão em pó que faria sangrar os dedos, lavando as roupas e o chão, as paredes e que volta a ser o de fazer bolhas. E nada mais útil do que bolhas. A caixa foi trazida pelo pai a pedido do irmão da falecida. Morreu de câncer. No pulmão. Sentia tristeza pela agonia do que não respira e sente dor e lhe mandava bilhetes, desenhos. Lembrava pouco dela, a doçura tímida, uma atenção delicada de ver e ouvir, o que fez com que dissesse, em solenidade, segredo de vida e de morte: gosto mesmo é de ler. E estava ali, a caixa. E que outra mais poderia ser agora? Sabido o perigo das caixas abertas e do que delas escapa e não se alcança, possuía nas mãos a origem de todas as coisas, na caixa onde foi encontrada, entre caçadas e viagens, um catecismo do início do mundo e do pecado, casas com muitos quartos, um caine em motim, meninas, bonecas, os óculos de aro de metal, e os dedos de fazer brotar o amor por uma flor e por ratos cegos. Tudo o que havia dentro de uma caixa sem fundo. Da caixa de que veio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Cores para noites sem lua