22 março, 2008

Carta

Terra, Te escrevo para dar as notícias do que não sei, já que, o que sei sempre se desfaz diante das lembranças. As ruas, as noites e os telhados permanecem iguais. Talvez, mais empoeirados, como tudo o que, embora mude, permanece. Me faço o sentimento e você. A grama continua rente ao chão e ainda não a vejo em árvores e os gatos se tornaram boa companhia e professores. Aprendo as gatices de seduzir e a sofisticação da preguiça, a buscar os prazeres de uma existência noturna. A ouvir os chamados da noite. Ser fora do próprio tempo. E, não mais somente durante as noites, desperto com seus passos e para o seu beijo. A maioria dos dias que moram em mim continuam sendo os de sol, mas sinto chegando os amores pelos dias de chuva, esses exercícios de saudade que permitem a visita ao tempo em que somente respirar já era viver. E no calor, ou na falta dele, nas cores intensas, e nos aconchegos nublados, dos meus olhos os dias pedem beleza para a dizer aos seus. O ritmo da vida dita passos de uma dança feita para os meus pés em você e percebo essa brutalidade delicada que me leva por entre tantos como se não existissem e me deixo levar, e ficar, pela pressa e a preguiça de existir em multidões e em ilhas. E também levo comigo o sono das manhãs, as inspirações das madrugadas e a poesia de todas as tardes, principalmente as de céus alaranjados com nuvens cor-de-rosa e roxas. E, mesmo quando o choro antecede o sono, não me esquivo de sonhar realidades. Caminho sempre por renovadas ruínas, pelos escombros da humanidade em erupção e entre eles, encontro esses tesouros travestidas de cotidiano. E todos os dias, nesta hora, nesta cadeira, chego ao mesmo lugar. O lugar de que saí e de onde reinvento o de onde vim. Chego ao lugar de te deixar partir. O lugar em que terminaram seus passos que sigo, procurando alcançar sua chegada. Um lugar de se perder. Uma bola. Um quarto no meio do tempo e do mundo. Fica a ausência.

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Cores para noites sem lua