22 março, 2008

O homem na varanda ouvindo ópera

Era uma rua que levava aos lugares enevoados que guardava. Longa e curvilínea, em que as muitas árvores, de copas como os quadris das negras, o da mãe e o próprio, ainda por ser mas que incomodava como destino oferecido por cigana, ocupavam a esquerda e a direita, o peito e o ventre. Saía de casa mais cedo que o necessário para chegar atrasada como sempre e inventava desculpas e pretextos para seus encontros. Buscava organização e método, que não tinha, para cumprir o ritual. Se lavava e perfumava para o vento que fosse com ela testemunha da partida do sol. E então surgia, noturna, toda célula de capturar o restante e o à volta, o que não era o ainda e nem o antes. E tudo o que desejava era não ser interrompida. Que nada ou ninguém surgisse em meio a caminho trazendo atraso. E antes da confirmação da noite, se acendia uma meia-luz que a atingia por inteiro. Protegia a sensibilidade com blusas de frio e se deixava levar pela descoberta do prazer feito por minúcias. A luz abriria a porta deixando passar o homem. O homem de peito nu, com os cabelos molhados e que pedia algo. E o que poderia lhe dar? O que tinha era o de não deixar ser visto. Pelos olhos o corpo chega, e o mundo vem, mesmo no escuro, mas só o que é visto com sentidos é que entra e nos mora. As copas, as folhas arfantes, as saias e as anáguas, entregues ao desejo de movimento que é brisa, que é vento, que é tempestade. A ópera. E o homem nu, que poderia ser um entre todos os outros, comercializáveis como jeans e geladeiras, era o que despertava o desejo de um além do depois. A nudez dele se vestiria de muitos corpos para trazê-lo ao desejo de não ser mais do que um. E os homens só serviriam se tivessem música.

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