18 março, 2008

O bicho

Era muita sede. Chorava. Chorava muito e gritava em pirraça sem fim porque sua sede era sem fim. Chegavam alguns copos d'água, mas todos insuficientes para irrigar deserto. Nenhum estava cheio de saciedade. A sede, cada vez maior de esforço e necessidade, precisava de água que viesse de sua mão e com urgência. O padrinho, cansado do trabalho na olaria, estava deitado, se esforçando por dar atenção ao que ouvia de um rádio. Não ouvia as músicas ou o dito. O que ouvia era faíscas coloridas que hora ou outra saltavam do fio desencapado. E se esquecia do choro e da sede. Vez em quando caía uma lágrima que ia se juntar ao mar da outra, também desenganada de consolo. Examinava o rádio e se impressionava com o que via mais do que com o nome: Fagulhas! E por ser incontrolável o desejo de proximidade, retomava o choro em força e em intensidade. A dor por descobrir que nunca se pode ser perto o suficiente com garantias de segurança. E o pequeno estrondo trouxe o olhar do padrinho e junto seus ouvidos, que receberam a explicação: Esse bicho me mordeu! Mereceu a água que buscava, colo e acalanto. Mas o veneno nunca mais deixou seu corpo.

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