16 outubro, 2009

Com quantas palavras se diz a poesia de cada um? Sempre gritava, se anunciando, sendo o inesperado aguardado. Na outra noite foi assim, bebeu caipirinha, mas o aspartame que fez com que vomitasse. Podia aparecer agora. E como naquela manhã, subiu correndo e foi entrando, tão dono que era do mundo dela. Mas foi em silêncio que chegou e quando ela abriu a porta voltou a ser o mesmo. Trazia duas sacolas plásticas, cheias, estufadas de levezas, tornando engraçado o cuidado com que as segurava. foi bem no meio do quarto que despejou seu conteúdo, o que havia juntado pelo caminho. Se desenharam ali as tardes de outubro que ainda, e depois de tanto tempo, se fantasiavam de maio, como a saudade de chegar e partir. Em todas as suas ruas crasciam as patas de vaca. E aquelas vagens traziam aos os pés a crocância de errar e tornavam familiares todas as paisagens que ainda seriam. Estavam em toda parte, menos ali, onde as buzinas e o tumulto haviam lhe aprisionado. Disse, a puxando pela mão: pra não esquecer que também é divertido. Lembraram do bom da rua, os pés. Poesia tem tanta finalidade e explicação quanto vida se fazendo. No falso chão, sem terra e sem raiz, a muda brotou.

11 outubro, 2009

E na verdade, se me calo é por não encontrar a palavra certa, que o é, tanto quanto a pessoa. Certo é o uso que se faz e em toda beleza inesperada escrevo seu nome e o cansaço dos seus olhos, fechando janela, recusando-se a ver em cores e sons o que era já sabido no subterrâneo, naquele fluxo que sempre seria, mar ou gota.

Indícios sintáticos do surgimento de um romance:
orações suspiro-exclamativas.

05 outubro, 2009

Tinha sinceras dúvidas quanto à eficácia da escrita. E de toda palavra. Mas sempre as usava, assim mesmo, na esperança de que alguma surgisse, clara e eficaz, organizando o sentido das coisas. E das coisas só se sabe o que delas causa encanto. Ou medo. E com tudo seria assim, a plenitude de um tédio descrente das novidades que sempre surgiriam, antigas em sua repetição e revelia. E o olhar estrábico, que se deixa levar por qualquer brilho, qualquer rastro luminoso em céu poluído, sente o peso de tempestade em deserto e recorda o apreço pelo que brota, como o girassol na beira de estrada, também na escrito daquele percurso. Sem perspectivas de sobrevivência e sem rumo, sem escolha, terreno ou momento. A duração de uma vontade de sol, mesmo em aconchego de terra e que rompe, como o sido, semente, terra e superfície, fissura e dá passagem. À escrita deve respeito quem a sabe tal qual essa vida, forte e determinada. O suficiente.
Começou a ver pelo desejo. A barba, um ar indiferente. O desejo dele. Enquanto fumavam a moça lhe disse: você é fácil. Aceitava vislumbrando verdade, fácil pra uns, difícil pra outros. O convívio é o que traz o pior de tudo. E onde mais estaria o melhor?

02 outubro, 2009

em direção a Hindiael
Apenas a ponta dos dedos na água, despertando o ser. Ao seu lado, o mergulho, de impulso, no antecipado da hora já que o acontecer só é no sido. Desde a estrada era aquele calçamento de pedras que o caminhar providenciou para que acontecesse a poesia com que as rodas do automóvel se atritavam.

19 agosto, 2009

Mesóclise

Era um sujeito oblíquo e cheio de futuros. Também dissimulado? Mostrar-lhe-ia os tempos de um encontro em uma ação que não seria nada além que um desejo.

10 agosto, 2009

O nome dele

Vasculho as pastas que há muito deveria ter organizado e busco o reconhecimento, o entendimento de mim tentando antipatizar com Caetano Veloso. E o que mais pode fazer o olvido? E errar é difícil porque foi inventada a escrita e dela sabemos as regras e submeter é o desejo de seguir. O problema das coisas é que trazem junto pessoas, esse mínimo em que tudo é, os canteiros de fazer brotar horta e jardim. O programa pirateado recomenda crases e um devido uso de se, esse acaso que nos acontece e, tudo o que reza, o faz pela hora da morte, pelo encontro com o silêncio. E por isso o rádio é ligado, calando as inquietações. E que maior proximidade e poder tem esse Deus que me leva em si? Não sei, mas eu O chamo Música.

03 agosto, 2009

O que é?

Tinha pés e nariz laranja. Grande, oval e fofo, nariz? Dali saía uma piteira que tecia, com a fumaça do cigarro, um cachecol ansioso e confuso procurando por um pescoço inexistente. Usava uma cartola e, no lugar de braços, algo como asas, pequenas e gorduchas asas. Todo ele pequeno, embora ocupasse muito espaço e, ciente disso, desafiava com os olhos que o contestassem. Amarelo, mas sem muita distinção de pelos ou penas. Mostrava uma inquietação de Eva antes de interpretar Annie e cantar Tomorrow. Perguntou:

- Quem é você?

- Nada além da mão que segura o lápis... e você, faz idéia de quem seja?

- Verdade... não tenho muita idéia... poderia me ajudar?

- O que EU poderia fazer?

- Diga! Quem sou eu?

Não poderia dizer. Era feito de inutilidades. A cartola que não poderia voltar à cabeça, caso caisse e aquele cigarro, que seria sempre o último... E tudo por causa dos braços feito asas... Ser perfeito, para os simpatizantes de ornitorrincos e da sofisticação do inusitado. Um traço da irreverência ranzinza da vida.

29 julho, 2009

Álbuns

O que seria da alma do mundo não fossem os colecionadores? Esses que se fizeram imagem e semelhança de um deus que aspira o sopro de tudo...

28 julho, 2009

Um amor equivocado

Mesmo não sendo obcecada pelos instantes de vida dele, os queria em si, era importante que houvesse proximidade. Já não era o homem que havia desejado, por puro capricho, o que estendia à letra e aos bordados, ao bagunçar das coisas. Quando o amou, ele amava outro homem, aquele que haveria de se perder, narrar e morrer; e partilharam amor pelo que perece. Ao depois, ele amava outra, também já amada por outro amado seu; e dividiram amor por mãos e tesouras. O quis enquanto fugia, por ser ele também o que queria viver, tanto quanto amar. E há entre esses, os que veem beleza em ares mexicanos, mesmo quando intoxicados pelo bacon resfriado dos fast-foods, a cumplicidade do olhar, como o da moça de grossas tranças escuras, floridas, coloridas flores. E no agora amava outro, o dono do corpo que sentiu enquanto o amava pela primeira vez (...)

24 julho, 2009

O caminho era a estrada perfeita para olhos e pés. E a pele. Seguia só, como todos os outros e lhes fazia companhia, apontando o brilho das insignificâncias. Tanto fazia quando e onde chegariam, seguiam. Iam e, em determinado ponto, virou as costas, de reverso chegaria onde foram mandados e não por protesto ou tédio de, a todo dia, ser animal e ainda assim ser de novo homem buscando linguagem. E não, não por ser levada mais uma vez à dúvida. E as maravilhas do mercado, e o livre, e o arbítrio? Ia de costas porque naquele ponto ficaram os olhos, buscando o que lhes escapou, o lugar em que haviam se separado dos seus sonhos.

23 julho, 2009

Se alimentava das palavras. As larvas morosas como tempo diante da invenção dos relógios, os aparelhos necessários à demarcação do que pele e retinas não poderiam reter. Por quanto tempo? Já cansava o gosto, não o suficiente para buscar outros, mas para que comesse menos. Dos pequenos cocos elas partiam, afoitas, gordas, lentas, famintas, farejando transformação. Algumas ficaram nela, as que deixou partir e se perder, esperando que voltassem. Borboletas, já todas elas. Pequenices agitadas e aladas que a todos sugam, aos animais e às plantas, homens e flores. A espera tinha certeza de encontro, de quem sabe não morrer de fome por ter alimento suficiente. Sempre vinham.

O desejo cria mãos cheias de beijos com que apalpo seu corpo.

21 julho, 2009

Aconteceu. Era. Começou não querendo ser, como a constante preguiça convivendo com o movimento ininterrupto das extremidades e que resultava nos orifícios sobre as superfícies em que repousava sua imobilidade. Havia um cobertor amarelo, ideal para submarinos. O que já foi vinho, com as pequenas rosas brancas, antibióticos que se revestiam de fidalguia em seu pousar. E agora era verde, como o gato. Os animais são elegantes quando matam e quando respiram. Se comendo. O que deveria ser um rosto tinha a beleza do real quase inventado, semelhante ao homem quando havia sido elfo, o falo, como todo dizer, peninsular, em que tudo que sobra completava em si. O que separa um dia do outro? O sono? O sonho? A vigília? Por existir pertencia ao contrário, ao outro hemisfério, onde sonho era a vigília, verbo conjugado no presente, passado e futuro.

20 julho, 2009

O Criador


para  Almodóvar

O dia começou a ser santo pouco tempo antes de nascer. Estava particularmente bonita hoje. Os defeitos, das grandes orelhas às inexistentes unhas, se converteram em discretas belezas. As cores e a dignidade com que as ostentava faziam com que fosse um pensamento do Criador. E por isso lhe havia feito um altar e ali rezava, diante da foto em que a língua entregue se submetia à tesoura. Diante dele se ajoelhava, depositava flores de crepom, fitas do Senhor do Bonfim e de Aparecida, velas, incensos e as preces, sugestões para roteiros.

04 julho, 2009

Luís Alberto

Eram como ele os homens que foram amados. A suavidade da voz revestia os olhos e o que por eles entrasse. Um quadro fixado ao teto e os corredores longos, cinzas, guardando jardins, pedindo por poesia. Em mendicância foi buscado e as palavras escritas naquele papel mostraram o quanto havia se afastado do humano. Linguagem de humanos? E qual não teria sido por eles inventada? A que usavam para declarar suas paixões e suas mortes? Que pena, é o que diriam. E sim, eram penas, penas, que a mulher de língua enrolada e muda transformou em plumas, em aves, sobrevoando água em busca de alimento. E no mergulho, submerso, o canto. Não, não era humano o peixe que voava em sua direção e dizia com seus olhos úmidos que de tudo bastam alguns instantes. E no seguinte estava ali, aquela janela em forma de poema por onde começaram a vislumbrar o espaço. Veio dele o entendimento da nocividade do feminino e de suas pontas, o ângulo a mais que seria buscado pelo masculino à caminho da circunferência.

03 julho, 2009

Emprego

Estava ali. Feia como sempre. E daquela vez foi assim. Era o dia dos tambores, os que despertaram a autonomia dos corpos, partículas inquietas e ritmadas gritando por silêncio. Não poderia precisar sobre a perturbação alheia, a moça loura tanto poderia ser louca como oportunista. Como todos. A outra dançava em frente á TV e, como a velha Jovina, que tecia e tecia, cumprimentava o apresentador e surgiam nas mãos linha e agulha.

Às vezes reaparecia em outros, esses. Voltava abanando o rabo e sem nenhum pudor pela alegria em se submeter. Aceitava todo amor que fosse dado por qualquer um que se aproximasse, mesmo os que doíam. Gotas em pára-brisas, grossas e esparsas, ou finas e constantes. Suaves e brutas, se fazendo e desfazendo umas nas outras. Nessa época sempre chove. Acordava pelo nariz e seguia o cheiro da pele da terra secando ao sol caçando formigas com os pássaros, se alimentando também da destruição que continuaria a acontecer depois que estivessem refeitos.

22 junho, 2009

Amanda

Era muito sem graça. Os cabelos lisos, a pele clara e aquela timidez de coelho, de bicho assustado. Se vestia muito mal e tinha sempre algo sensato a dizer. Se prestasse bem atenção veria que era bonita, o olhar limpo, a vontade de fazer o certo e de mostrar o que havia lido. E a determinação que se desconhece e ainda assim segue. Era a possibilidade da graça.

O menino perguntou: Como é a sua escola? E tateando no sentido das coisas, a resposta veio afoita: Minha escola é para adultos. E ainda tateando no sentido das coisas percebo a sabedoria das respostas feitas de perguntas. Se a resposta fosse: Como é a sua escola?, certamente muito mais seria sabido sobre o mundo. E a resposta que não pode mais ser dada tira dos bolsos grama para pisar e deitar, céu de ponta de lápis com dedos, árvores, corujas e livros.

Alguns retalhos de ditos, caídos de folhinhas e agendas, coloriam aquele trabalho de fuxico, a manta com que se protegeriam. O clima mudava, antecipando o frio e as horas corriam aceleradas, frenéticas, comprometidas e sérias. Mas o tempo permanecia o mesmo. E era assim o recortar dos mundos, redondos e coloridos, desenho e cor, harmônicos, parte de um traço. As mãos eram responsáveis novamente pela razão de ser. Modelar a forma em seu prestes, entre o que é e todo o resto sido. Rescido.

13 junho, 2009

E por não conhecer palavra de escrever, desenhava. Em vidro, a mulher de cabelos espessos que em suas ondas trazem mar e dia, noite, a cor e a forma do que se parte e que se junta. Passarinho segue sol e dele adivinha raio, o que parte a própria luz e deixa, à mostra, a cor do de dentro. A intensidade e a palidez de um arco-íris guardado.

Nome deve ser dado e conhecido por quem? As coisas nascem por olhos de amor. E o nome das coisas nasce junto com elas. Bom seria contentar com RG e certidão qualquer que diga o que é. Mas viver é um risco e grama nasço e renasço, nomeio e renomeio. Como se respirasse. E surjo:

E o homem havia deixado o relógio, esquecido na falta de tempo. Aviso guardado em gaveta da hora que passa sem pressa e sem sossego e só avança, mesmo dando voltas.

Elpídia e a caixa

A maior implicância era dizer que foi achada no lixo. E de tanto ouvir, acreditou. Com mágoa, dessas que viram orgulho. De uma caixa de papelão. Caixa do mesmo sabão em pó que faria sangrar os dedos, lavando as roupas e o chão, as paredes e que volta a ser o de fazer bolhas. E nada mais útil do que bolhas. A caixa foi trazida pelo pai a pedido do irmão da falecida. Morreu de câncer. No pulmão. Sentia tristeza pela agonia do que não respira e sente dor e lhe mandava bilhetes, desenhos. Lembrava pouco dela, a doçura tímida, uma atenção delicada de ver e ouvir, o que fez com que dissesse, em solenidade, segredo de vida e de morte: gosto mesmo é de ler. E estava ali, a caixa. E que outra mais poderia ser agora? Sabido o perigo das caixas abertas e do que delas escapa e não se alcança, possuía nas mãos a origem de todas as coisas, na caixa onde foi encontrada, entre caçadas e viagens, um catecismo do início do mundo e do pecado, casas com muitos quartos, um caine em motim, meninas, bonecas, os óculos de aro de metal, e os dedos de fazer brotar o amor por uma flor e por ratos cegos. Tudo o que havia dentro de uma caixa sem fundo. Da caixa de que veio.

Era uma planta. Havia descoberto sentindo a flexibilidade do corpo, tão compatível com o desejo de movimento e o encantamento que o vento e sua música lhe davam. Os muitos braços, erguidos e suspirando abraços, se agitavam ao passar dos pássaros, ao que de si se desprendia, soltava e desfazia e, no permanente e no que não muda, renovados a cada dia, as folhas, fiapos de unhas e madeira e o que é roído pelo tempo e pelo esquecimento. Puxava assunto, por suas sombras, com quem passasse por perto e os homens também diziam, qual os outros mamíferos e as aves e os insetos. Os sonhos eram sempre voar ou cair, das mais distantes alturas, e se saber leve e flutuar. Era algo respirando naquela superfície vasta e mínima em que se reorganizam infindaveis pequenos com suas grandezas. Era assim que sonhava. Às vezes corria e acordava sorrindo, florindo. E o chão que leva ao longe faz o pé pedir proteção e por isso, algumas vezes, desejou vaso. As extremidades tateavam o vazio, o lugar em que foi acabar sendo, além de semente, promessa que se guardava com gosto do que ainda não é sabido. O que sabia, feito semente, era o fim. Tinta e papel.

10 junho, 2009

Vermelho guardando azul claro

No impróprio da hora e do lugar, as margens de todos os amantes, disse ao casal: não olhem pra luz! E houve o balde e a bola felpuda. E uma lágrima, que já estava ali, harmonizando com a tampa da esferográfica azul que descansava sobre a orelha. As mãos entretidas na feitura de alguma arte, rasgando papel, segurando balde. Não o reconheceu a princípio, disfarçado de veterinário bem sucedido. O reconheceu pelos braços, Saiote naquele abraço.

Noiva

O que se é nunca se faz esperado pela necessidade de medida dos que aqui vivem. Mas, deixando de ser, será cobrado o sido agora deixado ser. Somente quando era. E ainda nesse século, que como os outros tememos ser o último, ainda se trabalha por um prato de comida, seja qual for a fome que sacie. Perguntaram por você, uma moça tão bonita e sem namorado? E há muito sei que os compromissos não podem ser vistos ou usados em dedo e que não se quotiza ou estabelecem laços e sentimentos por contrato. Em quantas vias? A cor mais adequada para revestir meu corpo e dá-lo ao seu é o vermelho. Depois vem o azul e, só findo um círculo-íris de sensações e desejos chegaria o descanso do branco. Bem depois.

E se é assim, que seja. Até que se encerre o ciclo. E me lembro do que em suas máscaras não gosto, algumas brilham demais, outras sorriem demais e tantas são bobas demais. Fica sempre ao lado o bom amigo clichê. O único que cumpre a promessa e nos acompanha, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. Eu, tão habituada ao silêncio que falo, e quando me apiedo dos seus ouvidos, grito. E muito tenho gritado com meus silêncios e embora tanto queira, nada peço, tanto que já tenho me disputando os olhos e a vontade. E os ouvidos. E a pele. Gostos e cheiros. Porque aprendi a agonia de meu pai ao ser ignorado. O pior que tem é chamar pessoa e ela não responder. Tá me ouvindo? Ouvi. E não pediria que fizesse as minhas vontades conforme as suas e muito menos que ficasse ou me fizesse feliz, o que sei ser com hormônios e pensamentos. Falta o discernimento de que acontecimentos felizes são os que acontecem. Infelizes todos podem ser, mesmo os pobres e os sem vaidade e feliz não é o que vem de você, mas o que me atinge quando estou ao seu lado. Esse lugar. Nenhum outro pode ser alcançado além do que se ponha o pé. E o corpo, prestes ao florir.

08 junho, 2009

Por mais que espere suas palavras, elas me alcançam desprevenida e me amordaçam. Se cala tudo o que movia e as cores e os cheiros se perdem em meio aos outros e nos idos das coisas. Porque tudo se move, mesmo estando parado e o chão leva os pensamentos nesta velocidade absurda de 365 dias por instante e me canso, dos compromissos, dos comprimidos e do amor. Para quem descreveria estas paisagens feitas por substâncias onírico-orgânicas? As novidades se jogam para dentro dos olhos e talvez descreva, em minúcias, as formas encontradas pelos pés e as frestas que vêem por debaixo das portas. Ou as conversas feitas de coisas não ditas transportadas pelos fios que conversam com os cabelos e que me fazem pensar que só na tranqüilidade da morte é possível escrever. Se apodera de mim, por desejar tanto, um desejo de nada e todo pouco se torna demais, tomando lugar à preguiça de que fui feita, cedendo espaço à realidade que ameaça arrombar a porta que a separa dos sonhos da última noite. A mordaça das suas palavras guarda o medo de que se reveste sua falta de motivos. Medo da morte simplesmente, de que não venha. E a internet, como máquina de fatiar saudades e faltas e de fabricar esquecimentos me encanta. Veículo de transportar suspiros com o tédio que antecede a chegada e, se fujo, é para que não os destrua, deixando apenas o cão. Caminho até a praça e procuro ser com a natureza construída e devidamente podada e controlada enquanto espero que alguma música cante o meu desejo. 18 unhas intactas e agora nada resta. Pensamentos escalam os cabelos, soltos, fios de uma vida que cai pelo caminho. As declarações de amor são feitas de suicídios e do florir de um perfume de efemeridade, do instante em que se cumpre a vida. E nunca fui mais viva do que quando morria em você. Vagando pela cidade os vejo, descontraídos e imóveis, como ela, segurando um livro nas mãos e sem olhar os passantes nos olhos, como eu, atraída por essa sua poesia. Com os fios soltos, os sustos da palavra, acalmados nesses novelos com que se tecem almas.

07 junho, 2009

Para Felipe

Não sei bem se entre os lábios ou no limite da retina, mas é o brilho. É ali que ele está. O sinal de que temos os mesmos avós, a ancestralidade das coisas que a tudo que é vivo irmana. Se mostra em um sorriso com poder de tornar verdadeira a verdade mais secreta de cada um. Olhar de buscar o que ver e, pelas mãos, ser. É certa a possibilidade do encontro e da alegria de ter companhia. Não poderia omitir que aventuras sempre acontecem em boa companhia. Das piores possíveis. As que se fazem de reais, toques, trocas, doações, empurrões, serões, sertões, decepções, exceções, contradições, superações. E de sonhos. O fantástico mundo em que vivem os da mesma espécie.

05 junho, 2009

E vendo as imperfeições em minha boca, as ausências, vejo que grande responsabilidade é para o homem manter os próprios dentes. Porque tudo começou de um sonho e o sonhado foi tão forte de lindo e de descoberta que me fez sonhar com o sonho. E de minha mãe e de minha avó ouvi que sonhar com dente é morte de parente. E todas elas haviam partilhado da sensação. Todas elas traziam, nos secretos de si, os vestígios comuns a todos os que seguiram vozes, como Lázaro, cedendo ao chamado que interrompa o espetáculo de apreciar o perecível de se ter sido. As amígdalas continuavam inflamando com freqüência. O antes, a pequena dor. Comia, voluntaria e voraz e mente, as romãs. E muito tempo é um instante desapercebido no decorrer das coisas e, mais um, e mesmo tendo ficado, se vai. E tudo o que existe é porque foi pousado o olhar, esse leviano que se interessa por chão e pelos fabricantes de florestas. O chão que se solta de si mesmo e se reorganiza e se reagrupa com as novas geografias dadas por mapas de caleidoscópios e que segue em tudo o que se move até que pouse, em definitivo. E foi assim que o vi. No tumulto de um mundo que não respeita os solitários. O reconheci pelos olhos que havia lhe dado, os de enxergar essências ocultas em nomes equivocados. Talvez pudesse usar o nome de um deus adequadamente. Um deus que feito na abundancia se fortalece nas carências. Poucos amores se fazem de alegrias, mas todos conhecem a tristeza. A constatação inevitável de que todo homem é um e que, embora suscetível aos vírus e às idéias que percorrem todos os corpos, não se une aos outros e deles só restarão as marcas que deixadas do impossível contato, reconhecidas pelos que lêem o decorrer do mundo nas chuvas e suas luas. Porque no começo, deus era mulher e criava em silêncio. Dispensado o autoritarismo das palavras, tecia, com os fios do invisível, a luz que seria. E não foi do ventre da terra ou da água, ou do húmus de suas mucosas, que se valeu para fazer o que não poderia ser imagem e semelhança de nada além do próprio do sonho por que não existiria o homem antes do seu sonhar. E de si mesma, o fez, alimentado-o com insaciedades, madrugadas e o desejo do por vir. O homem que virá com seus dentes ainda por arrancar. E nada há alem da água que mina, abundante rio do qual sou margem e afluentes, que se salga no suor laborioso do nada. E nas profundezas dos mares do Deus Ela o homem, que será mulher, é feito. Memória do primeiro aglomerado de células. Porque de toda falta nasce uma vontade.

04 junho, 2009

Esta história é mesmo sem pé e nem cabeça. E assim ela começa, como os humanos, pela boca. Pensava mesmo que gente começava era pelo umbigo já que, vira-mexe-remexe-desvira, olha lá a gente pelejando na tentativa de voltar para dentro da gente mesmo. E pelo umbigo. E pela boca ou pelo umbigo se come. Mas com os dedos, olhos, pele, ouvidos, sexos e com o nariz.

03 junho, 2009

A carta

A carta que você não me escreveu se parece com aquela que recebi quando ainda não o amava. A que falava dos desertos que reconhecia ainda florestas. Mas vieram outras, o tesouro do inesperado. O menino que achava horrível o namorado imaginário e marcava encontros com bicicletas e que considerou o empate viável já que cruzeiro era ela, e aquelas estrelas, e o galo era a força de que precisava para continuar a desejar e que o fez dizer, diante da despedida: se seu time ganhar eu não vou ficar triste não. Brotavam as minas e sentimentos que fluem de mim e que chegam ao mundo pela porta dos olhos com a certeza de valer um dizer que não lembro mas que também não vou esquecer.

01 junho, 2009

A guloseima

Não era, de fato, nada demais. Nada além de um velho hábito, o resquício e o apego ao maravilhamento dos primeiros aprendizados, principalmente para os saciados. Feita de poucos recursos, possíveis de se encontrar em qualquer vendinha do interior. Uma coisinha tão boba e sem graça que era quase o mesmo que novela, esse mesmo igual de sempre e que se segue na esperança de ser surpreendido e que rende que é uma beleza. Dessas coisas de comer como se come pão seco em busca de sustento em hora de necessidade. E com tudo o que a ocupava e pedia seus cuidados, volta e meia estava lá, na cozinha, preparando as mentiras que comeria antes de sair para o enfrentamento do mundo. E por isso haviam tantas, amanhecidas, espalhadas pela casa, enchendo potes que se amontoavam pelo caminho. E se era perguntada do porquê de não deixar de prepará-las, dia que fosse, respondia que isso era o que sabia fazer de cor, sem olhar receita e seguir instrução. E sempre podia chegar alguém.

27 maio, 2009

Nesse mundo, que agora habito, havia uma fresta, um feixe de luz por que agora vejo. E por essa fresta pude ver meus olhos e saber quem sou. E vi. A convicção de um autor à mercê do ponto final. E, entre as escolhas que faço, a minha frágil, a minha volátil vontade. A fresta. Esse ínfimo espaço pelo qual me vejo, porque, o outro, o outro, é tão pouco de mim. E sou. E eu e o outro é, entre tudo o que vive e respira, o que mais respeito. Porque sei de meu esforço, ao saber, aos 4 anos de idade, o que era o desejo da, devidamente adiada, morte. Para que não tivesse que viver. E por longas décadas seria só o cadáver convidado á vida. O perecível de se ser. O viés por que foi guardado o seio materno e a leveza do flutuar no fazer de si mesmo. O se saber em gestação.

25 maio, 2009

Era um desses tempos que começam sempre no agora. Um lugar, parecido com esse, possível a olhos que passeiem por janelas. Sem muitos detalhes. Havia plantado ali o começo - borbulhante como um princípio, pulsante como uma vontade e inconstante como existir, sem julgamento de feio ou bonito porque esse era o que respirava e o feio o que deixou de ser, - do próprio encantamento. Mais bonito do que todos aqueles já vistos em folhinhas ou em quadros. Uma casa com um quintal que se dividia em duas. Uma coberta por cimento, a comprovação da civilidade, e a outra, terra bruta e nua, a pele fervilhante de vida que suspirava sua saudade de ser selva. E era ali o lugar de melhor morar, só uma saudade, e que faz o coração crer em paraísos, buscá-los e recriá-los. O mundo era visto de cima dos galhos, o maior conforto que flutuação em barriga de mãe, onde foi procurado outras vezes o abrigo. Mas alguns, ao contrário dos que partem, são os despejados. Alguns apreciam tanto o decorrer das coisas que delas não se saciam e precisam e pedem de volta o direito de pré-existir em maturação de ser casulo ou ovo que não se viola. É sempre o de dentro que sai em busca de mundo maior e não o mundo que invade casa, trazendo necessidade de tramela e cadeado e fé de que o que chega, explodindo o mundo que se dissolve em meio ao susto de outro, seja possível de se contentar com o próprio existir e permita, que por ele se caminhe, em busca dos pedaços de um mundo que se quer de volta. O lugar não perdoado por não mais caber o que foi. E o que resta é só o onde não se aconchegar ao espaço e ter sustento na segurança da queda que chama, como chamou os outros, e que, de tão constante, se faz chão. O chão que é amado porque dele se ergue e molda em mão de deus ou de valente que o valha. Uma metade era um flerte, o aprendizado de que todo amor, por maior que seja, não é tudo. Uma garagem com suas samambaias, uma varanda que se transformava em piscina e o entendimento de que, embora o corpo, essa necessidade de conforto e de tudo que com isso se pareça, higiene, fome saciada, intestinos regulados, rins e pulmões conscientes dos riscos do ar e do que leva e do que traz e um cérebro e um coração carentes de sossego de seresta e levados pelo descompasso da necessidade de inventar tudo o que já foi inventado e o ainda não, se misturar, e não achar ritmo de dança junto a nada além da vontade. Metade guardava oceanos e ilhas e o saber de que a terra tudo guarda, mas que a casa de tudo é o mar. Um jardim, o pé de manacá e as roseiras que mostraram a tristeza de ser cadáver tão jovem, com tanto de vida a perecer frente à leveza do se desmanchar com suavidade no decorrer de se ser. Um portão que foi muitos e que, conforme sua matéria, era o que encerrava. Ripas que deixavam ao alcance dos olhos a poeira da rua onde passavam as pessoas aguardadas e seguidas para os outros mundos que adivinhava. A poeira dos passos era guardada no próprio respirar e, bem sabida a dor de ânsia de adivinhação, vislumbrava que o mundo não é o bastante e antecipava o medo da asfixia. Respirava caminhar e vontade de partir. Quando chegou o metal e sua ferrugem, não ousou ferir as mãos e os pés, que se lançavam contra eles e, embora mais alto e impermeável, sem frestas ou furos, era insuficiente para conter. A prova de que nada há, alto ou forte o suficiente para ser proteção a menos que guarde o buscado. Testemunha muda e corroída da valentia e da covardia, da humilhação por não agüentar esperar até que fosse aberto. Urinava ali mesmo, na calçada, todo o medo com que sobrecarregava os rins. O mesmo medo que impediam a paz aos banheiros, o pior lugar para buscar a dignidade. O medo que fez com que desejasse o amor de deus, o capaz de resolver todo e qualquer tipo de problema, mas que nunca havia dado solução a nenhum dos seus. Se acostumou à realidade de que tudo é falível. A quem é dado o poder de aliviar as dores falta vontade. Porque só a quem a dor verdadeiramente doeu conhece e é capaz de enxergar a dor do outro. E também nisso se salvava por existirem as formigas e sua leve, mas suficiente, dificuldade de ver. Não perdoava os formigueiros e tolerava, por conhecer a própria força e covardia, deles as cicatrizes nos pés. Foi pelas formigas que deixou de ser, definitivamente, humana. Apesar de tudo o que havia acumulado e que entrava por todos os orifícios que encontrasse ou criasse, pingava, gota a gota, um esvair de si mesma. Escorria um pouco de si e deixava, em seu lugar, a descoberta de um novo medo, escondido nos outros, o de se acabar. E via o risco de, a exemplo de família, ser algo não dito pelas novelas e pelos programas infantis. A TV que servia para dar o pensar e o sentir de outras gentes pobremente inventadas e que nunca serão os seus. Se viu como de uma nova espécie, cruzamento de desamores com sonhos, desejo e necessidade de ser pessoa e uma crença na necessidade de cumprir destinos. Mas aconteceu no mundo a desgraça da escrita e da curiosidade, como um gosto de sede, que deixava na boca a saliva, saltando pra dentro dos olhos com o atrevimento de ser letra. Leu o alimento, que também era um ferir, e conheceu, desde o antes de tanto procurar, organizar e entender, o que era viver, mistura de saliva com o próprio sangue, os próprios galhos e sua futura brancura de superfície de mundo a ser inaugurado. Ou o mapa que haveria sempre de se tornar e que trazia as pequenas pegadas. O decorrer de outros vistos que se dissolviam com seu gosto de tinta. Feitiço mais forte do que o que acompanhava chouriço ao serviço e que nada no mundo das verdades feitas por magia desfaria. E por ter comido palavras, palavras vomitaria. E um estômago revolto lhe foi dado, além de um fígado e da dor herdada pelos condenados ao corroer diário, punidos pela águia, sucessora dos lobos e abutres, no ofício de derramar a bílis e o sangue dos que são a prova de sua insuficiência para apresentar o começo do se forjar, o calor mais intenso e frágil, sempre no prestes a se apagar. Aquela dor implicante, que trazia a compreensão a quem disse que assim era o amor, porque, tanto sentir, só poderia pedir pelo que fosse o além de tudo o mais. Sabida no testar em si. A vizinha tinha um irmão gêmeo e havia queimado praticamente todo o corpo por causa de álcool. E, por saber do que podiam as mãos e as cicatrizes, do sabão fervente no sol das três da tarde e do copiar do que não seria lido por faltar detalhes suficientes sobre o fazer das coisas, as deixava descansar da escrita. Os detalhes seriam dados pelas retinas que leu.

A chuva pariu. Com a delicadeza de dedos encontrando cabelos, choveu vento, noite e aurora nessa terra seca do sentir.

24 maio, 2009

Desde o primeiro olhar se amaram, tanto, ao ponto de esgotar. Era até chato de tão bom. E era o que se dizia sempre, justificando a própria quietude de quem não ousa plantar semente sem antes sentir o gosto, esse futuro desconhecido. E as sementes perdidas são as que se salvam. Preservadas em desejo, um sol surgido da terra, guardando broto e ramo. Voar em busca de chão.

17 maio, 2009

Vestidos II

E onde mais encontraria vastidão tão grande de caber Deus do que na pequenez de um sentir sem entendimento e palavra de ser dito e que morava no peito e saía de passeio vagueando pela cabeça? E era a criança despida de força, só conservando a coragem de ter medo e a fragilidade do prestes a se perder. Era a última filha. A que não tinha reservado o lado direito e nem o esquerdo e que não o chamava de pai. Mas havia ganhado um vestido azul. E se sentava no colo de Deus para recusar o seu consolo.

Vestidos

E havia um azul. Diáfano como existir. E de um desejo de paz... E que fez rir a madrinha e as mulheres ao redor quando disse, conforme instruída pela mãe, que era o vestido de ver Deus. E verdadeiramente era. E o usava. E encontrava colo de deitar e ser pequena e criança e chorar para ter acalanto de ninar sonho bom e com anjo. E de Deus poderia ter tudo e não desejava nada além da própria dor e de ser uma tentativa, o encargo de inaugurar o pecado. Queria de Deus não se consolar nunca e papel e caneta.

02 maio, 2009

Viu a fala do homem com nome de bairro. E suas palavras eram de grande sabedoria. Mas porque teve um tio que gostava de contar histórias viu que a fala do homem dizia verdades para contar mentiras. Dizia dos problemas que causam a paralisia que nos acomete diante da chance de vingança contra todas as misérias de estar vivo. E Daniela ia aos rituais em que imaginava o que era estar entre os leões e não ter certeza de a quem pertencia o poder de governar e com os outros, assistindo o prestes a ser o não ser no dilacerado no outro. E pensa: e se fosse eu? Porque tinha entendimento do preço das coisas e embora não aceitasse gorjetas, aceitava as mãos e, junto com as mãos, o vazio que carregavam. Porque o preço das coisas é o preço das pessoas e a maioria dos objetos que a cercavam eram das lojas de 1,99. E as jóias. Garimpos nas séries de milhares e dizia a eles: prefiro ladrões à hipócritas. Os que dizem: sim, fui a regra, os que mostram a cara e te tomam o que precisam com a sua verdade. Não como a mulher na padaria que roubou o seu devaneio de que os de boa vontade têm paz nesta terra. A bolsinha verde claro, com o gato amarelo e um novelo e um coração rosa. O novelo bordado com o gato e o coração no fecho. Achava que não havia identidade. A decepção parece com cárie, dói menos no começo. Os objetos tão perfeitinhos se quebram e a gente que se vire pra limpar os cacos. Feitos para não durar. Conhecia seu povo porque sabia de si. Era da gente mesmo essa resignação desconfiada diante da miséria do outro em ser feliz com a miséria nossa. Porque a nós não falta nada, mas ao homem da fala e ao homem que rouba escondido falta o caráter, a essência do que é o homem, essa beleza que inventou o amor, o verbo e o próprio homem. Ah não, não podia ver ninguém chorar, a Daniela. Será que teriam tempo para chorar? No começo dá enjôo mesmo, mas você acaba por se acostumar e a equilibrar em cima disso, acredite, tem uma coisa chamada gravidade e que leva à queda. Atrapalha mas ajuda. Ainda existe a lua.

01 maio, 2009

Luzandira

Procurava entre os seus apetrechos, uma infinidade de coisas miúdas e sem importância e que, em alguns instantes, se tornavam vitais. Buscava a agulha de desfazer pontos. Decerto faria frio mais a noite. Iria encontrá-los, os amigos do último homem com quem andara flertando. Já haviam sido, formalmente apresentados, mas ainda não o havia levado para a cama. Era o se. Gostava de cinema e do mês de maio. Maio era março suavizado e deslizante. Mais tarde, na terceira série, lhe seria dado o sabor das tardes. E agora era o tempo de aprender. Aí começou. Porque, um pouco antes, desde a morte do cão, soube o que era ela. Algo vivo, frágil, a mercê da brutalidade que é o amor do outro. Havia necessitado até a última gota daquele copo de uísque. Não resisto e levanto uma das faixas da persiana pra ver o barulho que passa. Era ele, o vendedor de biju. Além dos carros. Sentava à frente, por ser menor que os outros, e recebeu o valor dos cantos e das paredes. Sua bondade, bem organizada e de fala baixinha que, mesmo irritada, nunca gritava. Sempre que a via sentia vontade de chorar. Tinha raiva dela. Várias aprontou. Como aquela redação pregada na parede, com as borboletas e as flores de papel e aquela letra. ( ) a letra com que sempre desejei escrever meu nome. O jardim que havia plantado para dizer primavera. Ali, pregado na parede, para todo mundo ver. Lindo! E também não pensou duas vezes antes de delatar a freqüência com que não ia, e o atrevimento e a impertinência. Mas era uma boa menina, mesmo assim, e inteligente e esperta. Sempre tinha um palpite errado pra ser dado. Apanhou e foi comparada ao que não devia ser, o irresponsável que suspeitavam estar cheirando cola. Qual seja a razão, matariam sempre as aulas. Fosse para estar só ou por não ter coragem de dizer a ela que já era tarde demais. Não se lembrava do mundo sem as drogas, sempre estiveram lá, desde que precisou respirar. Outra boa foi o sapo. Justo o sapo, o boca grande? Queria ser a borboleta, o bonito. E a recuperação? Aula durante as férias, só com os bobos na sala, os outros, que aprendiam com ela, lá fora, brincando no pátio da igreja. E é preciso dar graças por cada instante que não passou naquele pátio e sim naquelas conversas de adulto com criança, dando coisas pra dizer às cartas que receberia. Tinha fama de durona e brava e era feia pra essa beleza de atriz de novela. Disse a outra, que chegou à porta: vai escrever o discurso da posse do Tancredo. Escreveu o discurso, mas o cara morreu antes da posse, como toda esperança. E que preguiça era o sol das 14:45 que ia junto morro acima, pisando a poeira vermelha onde escorria e se remodelava. A boneca sem pescoço e com uma perna mais curta que a outra. Parecida com a personagem daquela outra história, patrocinada por essa bebida maldita que engulo ao longo de todos esses anos. E de novo o discurso:

30 abril, 2009

Aconteceu quando não se espera nada. O presidiário buscando conforto melhor, como a vaca sobre o telhado, o homem vendendo a alma por falta de uso ou as lavadeiras no rio, cantando. Também chegado dele, algumas novidades. Mas o sabor era como sentir, no decorrer da vida, a compreensão do que é o pimentão. Pela boca. As cebolas ainda seriam aquele maldito chá. A faca nas mãos. A busca canta para que o espírito não se canse em definitvo deste mundo que é o ordinário das coisas. Os pés de limão. Brotou junto um certo apreço pela arte das limonadas. Com pouco açúcar, para não esquecer do que é.

25 abril, 2009

Miguel

E esta escrita, destinada, como as outras, ao esquecimento, é só uma vontade de dizer. Que a bebida que me vai melhor é essa, sanguínea, da qual, sendo o que for, busco a embriaguez. Faz calor, mas sinto o frio de dizer que deveria ter dito para que viesse. Tarde se faz o tempo todo e todas as coisas foram feitas no tempo preenchido, passado vazio de sua presença, quem poderia me dizer que hora é agora. Não sabido se ainda é ontem ou se já amanhã, guardando o hoje, com você, presente.

Cores para noites sem lua